200 ANOS DE HISTÓRIA

Em 31 de maio de 2021, a Associação Filantrópica Suíça completou 200 anos de existência.


Confira o curta-metragem "Um por todos, todos por um", produzido pela Fundação D.João VI em duas partes, e conheça a mais antiga sociedade de beneficência do Rio de Janeiro.

200 Anos de História

A Associação Filantrópica Suíça foi fundada em 31 de maio de 1821, no Rio de Janeiro, para ajudar os imigrantes suíços da colônia Nova Friburgo que se encontravam em situação de penúria.

Contrato para uma Colônia

Em maio de 1818, o então príncipe-regente Dom João VI do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, baixa um decreto autorizando o agente do Cantão de Fribourg, na Suíça, Sébastien-Nicolas Gachet, a estabelecer uma colônia de cem famílias suíças na região serrana do distrito de Cantagalo, no Rio de Janeiro. A ideia do príncipe-regente era ampliar a colonização de forma planejada e promover a civilização no Brasil. Foram construídas 100 casas para os colonos suíços na Fazenda do Morro Queimado. A colônia foi chamada “Nova Friburgo”. Cada família deveria receber sementes e gado para o seu lote de terra e um subsídio financeiro durante o período de dois anos. 

No artigo III das “Condições” estabelecidas para receber os imigrantes, D. João determinou que “Os colonos, logo que cheguem, serão alojados em casas provisórias, que Sua Majestade tem mandado fazer, enquanto os suíços não tiverem edificado a sua Vila e Aldeias”.

Colonos Suíços

A divulgação sobre o contrato levou mais pessoas do cantão de Friburgo e de outros cantões suíços a se interessarem pela emigração para o Brasil. No final, ao invés de aproximadamente 800 pessoas previstas (100 famílias), 2000 pessoas se prepararam para emigrar para o Brasil em 1819. A viagem até o Rio de Janeiro não foi bem organizada, o que custou a vida a muitas pessoas. Dos 2000 emigrantes, somente 1688 chegaram ao destino final. Alguns morreram no trajeto até a colônia e, também, logo após a chegada, antes da distribuição das casas e lotes, ocorrida em abril e maio de 1820. Cada uma das 100 casas residenciais dispunha de quatro cômodos iguais, que ficaram superlotados com membros de diversas famílias. Martin Nicoulin, em seu livro “A Gênenese de Nova Friburgo”, descreve as casas que foram construídas para os novos colonos como ”de pedra e cobertas de telhas ocas. Há janelas sem vidraça, só com os postigos. Dentro não havia assoalho. O chão é de terra batida. Não há cozinha. Construção leve e rústica que não protege das intempéries. Típica moradia das classes pobres do Brasil colonial”. Havia cozinha, mas ficava na parte externa das casas, fato muito comum no Brasil dessa época, pelo fato de o fogão ser à lenha e produzir fumaça. Os lotes de terra também foram divididos entre os imigrantes, mas a primeira safra agrícola foi destruída pelas fortes chuvas.

Em 1821, o rei D. João voltou para Lisboa e deixou seu filho Pedro para cuidar do Brasil. Com a saída do administrador da colônia, monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiro, que também era conselheiro do Rei e retornou com Sua Majestade para Portugal, e com as mudanças políticas ocorridas na Europa, a colônia de Nova Friburgo acabou esquecida, deixando de receber os subsídios prometidos. Muitos colonos começaram a buscar melhorias na província vizinha de Cantagalo ou na cidade do Rio de Janeiro; muitos dos que permaneceram em Nova Friburgo ficaram em situação crítica.

Sociedade Filantrópica Suíça fundada em 31 de maio de 1821

Em 1821, um comerciante suíço estabelecido em Londres, Pierre Schmidtmeyer, visitou Nova Friburgo e ficou chocado com a situação alarmante que encontrou. De volta ao Rio de Janeiro ele reuniu um grupo de comerciantes suíços residentes na capital para discutir a ajuda à colônia friburguense. Na reunião decidiu-se criar uma Sociedade Filantrópica, com estatutos próprios e uma filial em Londres para buscar apoio financeiro na Europa. Vários cantões suíços, comerciantes suíços na Inglaterra e até o Papa enviaram donativos. 

A Sociedade Filantrópica no Rio encarregou-se de adquirir as mercadorias e alimentos necessários e os distribuiu para a colônia, junto com um importante apoio financeiro. Como definido nos estatutos da nova Sociedade, o apoio foi prioritariamente concedido aos mais atingidos pela crise, os órfãos e as viúvas. 

O desejo de transformar o antigo “palácio” do rei, situado perto da colônia, em um orfanato e escola, e o jardim do palácio em um campo para plantações, foi negado pelas autoridades governamentais. Em 1828, um dos membros da Sociedade Filantrópica, Auguste Tavel, de Payerne, se tornou o primeiro Cônsul Suíço do agora Império do Brasil sob o reinado do Imperador D.Pedro I. Anos depois, diversos membros, inclusive Auguste Tavel, voltaram para a Suíça e a Sociedade Filantrópica perdeu a sua importância.

Reorganização

Em 1839, o recém-eleito cônsul suíço Charles Perret-Gentil reorganiza a Sociedade Filantrópica, colocando ordem e transparência nas finanças e consegue reunir 68 membros contribuintes, entre eles o artista Louis Buvelot e o fotógrafo e tipógrafo Georges Leuzinger

Novos estatutos garantiram o bom funcionamento da Sociedade. É incluída, agora, a ajuda para a repatriação de doentes que só conseguiam ser tratados em hospitais na Suíça, como também a entrega de roupas e alimentos para imigrantes pobres chegados ao Brasil. A partir daquele ano, os cônsules suíços passam a ser eleitos presidentes honorários da Sociedade Filantrópica e frequentemente as assembleias da Sociedade passam a ser realizadas no próprio consulado. Em 1843 a Sociedade já contava com 80 membros.

Subcomité em Nova Friburgo 

Em 1840, a Sociedade decide cobrar de Nova Friburgo a criação de um Subcomité para avaliar os casos de necessidades e a distribuição da ajuda vinda do Rio de Janeiro. Livre em sua organização e em suas ações, o Subcomité deve ter a obrigação de enviar regularmente relatórios de suas atividades. Ele é instalado no ano seguinte e corresponde inteiramente às expectativas da Sociedade. Evita-se, dessa maneira, a perda de tempo, as despesas com viagens da capital à colônia e as pessoas lotadas em Nova Friburgo passam a ter capacidade e melhores condições para identificar e avaliar as carências locais.

Nem todos os pedidos são atendidos

Há casos que acabam não sendo atendidos, como o de um pai de sete filhos, que reivindica fundos para viajar para a Suíça, para curar-se de reumatismo e trabalhar o resto de sua vida em sua terra natal. O Subcomité nega a ajuda, alegando que os sete filhos dispunham de condições suficientes para sustentá-lo e que, devido à idade avançada, o pai não teria condições de trabalhar na Suíça, cujo clima frio não contribuiria para o tratamento do reumatismo. Além disso, o solicitante da ajuda não possuía mais familiares na Suíça para ampará-lo. Por último, segundo registros, é respondido ao colono que ele não encontraria tantas oportunidades na Suíça como no Brasil. Por isso, foi proposto que ele permanecesse em Nova Friburgo.

Febre Amarela

Em 1849 a Sociedade presta ajuda a Nova Friburgo, vitimada por uma epidemia de febre amarela. Uma epidemia ainda maior, em 1857, leva a Sociedade a apoiar 200 pessoas, um número de pessoas que jamais voltaria a ser atingido posteriormente. Naquele ano, a Sociedade já contava com 108 membros.

Revisão dos Estatutos

Em 1859, os estatutos são revisados e adaptados às necessidades da época. Todos os suíços passam a ter direito à ajuda na circunscrição do consulado do Rio de Janeiro, ou seja, no Distrito Federal, nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e São Paulo. Anos mais tarde, os solicitantes de ajuda, residentes nesses três últimos estados, passam a receber apoio da nova Sociedade de Beneficência de São Paulo.

Reconhecimento da Sociedade por D. Pedro II em 1862

Uma lei promulgada em 22 de agosto de 1860 declara que toda sociedade anônima, inclusive filantrópica, ficará sob imediato e contínuo controle do governo imperial. Esta medida, no entanto, contraria as leis da Suíça. Graças ao Sr. Johann Jacob von Tschudi, enviado extraordinário da Confederação Helvética ao Brasil, é elaborado um texto definitivo que agrada à Suíça e ao Brasil, o que leva, em 1862, ao reconhecimento oficial da Sociedade Filantrópica Suíça pelo próprio imperador D. Pedro II. O original da carta imperial encontra-se até hoje em poder da instituição.

Sociedade Filantrópica em Cantagalo

Heinrich Dietrich, de Zurique, fazendeiro e vice-cônsul suíço em Cantagalo, cria em 1857, junto com moradores suíços, uma Sociedade Filantrópica na cidade para facilitar a entrega e distribuição dos recursos na cidade vizinha. Mas seu desejo de torná-la filial da Sociedade Filantrópica do Rio não é concretizado devido às atualizações dos estatutos, aceitas pelo governo brasileiro. No Rio, decide-se então apoiar a sociedade em Cantagalo com um valor anual de Rs$ 600’000. Uma herança de Rs$ 5’000’000 do Sr. Uebelhard, destinada à Sociedade Filantrópica no Rio, é cedida como reserva para a Sociedade em Cantagalo.

Em 1875, com somente duas pensões a pagar, a Sociedade de Cantagalo não precisaria mais da ajuda do Rio de Janeiro. Em 1884, circunstâncias desfavoráveis forçam a Sociedade de Cantagalo a encerrar suas atividades, destinando o restante dos recursos financeiros à Sociedade no Rio, a qual passou então a se responsabilizar novamente pela ajuda às pessoas de Nova Friburgo; vila que, em 1890, é elevada à categoria de cidade.

1921 - Centenário da Sociedade Filantrópica Suíça 

Em maio de 1921, a Sociedade Filantrópica festeja o seu centenário. Nessa época ela já conta com 245 membros, inclusive mulheres. O então ministro plenipotenciário da Suíça, Albert Gertsch (antigo secretário e agora presidente honorário da Sociedade) publica um livro sobre os 100 anos da Sociedade Filantrópica. Foi ele que proferiu a palestra oficial na festividade. No livro de protocolo de 1921 já se pensa na organização do bicentenário pelos futuros membros!

1927 – O Ápice dos Membros

Numa época em que as sociedades filantrópicas garantiam às famílias descendentes de colonos a proteção e a assistência à saúde que o estado não supria, o número de membros cresceu, chegando a atingir, no ano de 1927, 754 membros contribuintes. Números baixos nos livros de protocolo em anos seguintes não representam o total de associados, mas sim os membros contribuintes nesses anos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a lista dos membros passa a não constar dos registros, provavelmente por medida de segurança, já que a língua alemã foi proibida no Brasil e membros com nome alemão poderiam ser confundidos com alemães e sofrer perseguição. No final da guerra a lista reapareceu.

1928 – 100 anos Suíça-Brasil e nova Casa Suíça

Ao completar 100 anos, a Sociedade Filantrópica adquire um imóvel na rua Cândido Mendes, no bairro da Glória, no Rio, que se tornaria ponto de encontro da comunidade suíça. No ano de 1928, é festejado o centenário das relações diplomáticas entre a Suíça e o Brasil, desde o tempo do primeiro Cônsul suíço no Primeiro Reinado, em 1828, o Sr. Auguste Tavel. Aproveita-se, então, a ocasião para transformar a casa da rua Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, em uma verdadeira Casa Suíça pelo arquiteto Francisque Edouard Cuchet. A ‘Maison Suisse’ abriga também outras três instituições suíças: o Cercle Suisse, a Sociedade Esportiva Suíça e a Nova Sociedade Helvética.

A Casa Suíça vira prédio
 
Em 1956, a Masion Suisse é demolida, dando lugar a um moderno prédio de doze andares. O edifício Casa da Suíça é inaugurado pelo recém-eleito Presidente Juscelino Kubitschek, junto com o então ministro e posterior embaixador suíço, Robert Maurice. Além da Sociedade Filantrópica, o prédio, localizado no número 157 na rua Cândido Mendes, serve de sede ao Cercle Suisse, à Câmara de Comércio Suíça do Brasil, à Associação das Senhoras Suíças e à Embaixada da Suíça no Brasil. Passa a abrigar também o Restaurante Casa da Suíça, que durante muitos anos se tornaria referência da culinária suíça no Rio, até encerrar suas atividades em 2018. 

Atualmente, o Consulado Geral da Suíça funciona no 11º andar e a Swissnex no 12º andar e também em outras áreas do edifício. A Sociedade Filantrópica Suíça, que passou a se chamar Associação Filantrópica Suíça, ocupa uma sala no piso térreo, além de continuar a ser a proprietária de outras partes do imóvel.

Parceria com a Escola Suíço-Brasileira

Nos anos seguintes, inicia-se uma parceria duradoura entre a Associação Filantrópica Suíça (AFS) e a Escola Suíço-Brasileira (ESB-RJ), instituição de ensino bilingue que abriu suas portas no Rio de Janeiro em 1963. Até a inauguração das novas instalações da Escola no bairro de Santa Teresa, em 1971, a Casa da Suíça foi palco frequente de eventos escolares, incluindo festas natalinas, bazares e apresentações do coral de alunos da ESB-RJ no lar de idosos, mantido pela AFS no 2º e 10º andares do prédio. Posteriormente, essa parceria ganharia força pela ajuda financeira prestada à Escola, que atravessa tempos de crise do fim dos anos 90 ao início do século XXI. Ela se fortalece ainda mais em 2006, com a participação da AFS na aquisição de novos imóveis na Barra da Tijuca, bairro para o qual a Escola transfere suas atividades de ensino. Em 2012, a Filantrópica moderniza seu modelo estatutário, o que permite o apoio a projetos educativos. Em 2014, é assinado um acordo entre a AFS, a Associação ESB-RJ e a empresa suíça gestora da Escola, a Swiss International School, pelo qual o prédio escolar da Rua Correa de Araújo, 81 passa a ser de propriedade da Filantrópica.

Bicentenário da Associação Filantrópica

Em 2021, a Associação Filantrópica Suíça celebra duzentos anos de existência em meio a tempos de crise, em que o mundo inteiro, inclusive o Brasil, se vê assolado pela pandemia do Coronavírus (Covid-19). Dessa maneira, as ações inicialmente planejadas, como uma exposição itinerante na região de Nova Friburgo e adjacências para contar a história e a evolução da instituição, e novos projetos sociais para marcar a data, são adiados. É mantida apenas a publicação de um livro comemorativo e a Associação se engaja no apoio às vítimas da pandemia através da ajuda financeira para a compra de cestas básicas.

DEBRET, Jean-Baptiste. Retrato de Dom João VI, 1817. Óleo sobre tela, 60 x 42 cm. Acervo: Museu Nacional de Belas Artes – Brasil.

Decreto e Condições do estabelecimento de huma colonia de Suissos no Reino do Brazil, 1820. Acervo: Arquivo Pró-Memória – Fundação Dom João VI.

A partida de Estavayer-le-Lac, Fribourg, Suíça,1819. Aquarela colorida. Acervo: Biblioteca Cantonal e Universitária de Fribourg.

SHOUMAN, Isaak. Acampamento dos emigrantes suíços em Mijl antes do embarque para o Brasil, 1819. Aquarela, 45 x 68 cm. Acervo: Coleção Dordracum Illustratum, Arquivo Regional de Dordrecht.

Reconhecimento do rio de Macacu e da estrada que conduz a Nova Friburgo: (Colonia Suissa), 1819. Litogravura do Arquivo Militar, 25,2 x 18,2 cm. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

MAPPA do município da Nova-Friburgo, entre 1816 e 1825. Aquarela e nanquim, 21 x 26 cm. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

SALATHÉ, Friedrich. Novo Friburgo (Colonia Suissa, ao Morro Queimado), 1835. Gravura à água-tinta de J. Steinmann. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

FRÈRES, Thierry. Colônia Suíça de Cantagallo, 1835. Litogravura colorida, 25,3 x 21,4 cm. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.

IMPERADOR Dom Pedro II em Nova Friburgo, 1876. Fotografia em tons de sépia. Acervo: Fazenda São Clemente, Cantagalo/RJ.

LEUZINGER, G. Vista panorâmica do Paço Imperial na Praça D.Pedro II, atual Praça 15 de novembro, Rio de Janeiro, 1860.

Casa LEUZINGER, na esquina da R. Direita com a rua do Ouvidor - 1865

Capa da edição comemorativa dos 100 anos da AFS impressa na Casa Leuzinger em1921.

Maison Suisse, sede da Filantrópica inaugurada em 1928

Edifício Casa da Suíça, nova sede a partir de 1956

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